quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Entrevista da BDF a João Pedro Stedile. Não perca!

BDF acaba de publicar uma entrevista com João Pedro Stedile. O Agronegócio, a Reforma Agraria e o Plano de Desenvolvimento são tratados minuciosamente seja do ponto de vista cientifico como social. São raras as ocasiões para se ter conhecimento tão profundo e exaustivo sobre um tema que não para de envenenar a vida do povo... "global". A matéria é um pouco cumprida, mas tomem um tempinho, vale a pena.
Segue a entrevista:



JOÃO PEDRO STÉDILE
Tem veneno no tomate, no abacaxi e até na pinga
Para líder do MST, o país precisa fazer um trabalho civilizatório de alerta à população sobre os perigos à saúde causados pelo agronegócio. 'Estão tendo lucro a peso de vidas humanas'
por Paulo Donizetti de Souza publicado 09/03/2015 11:55, última modificação 05/05/2015 16:06
GERARDO LAZZARI/RBA
"Agricultura familiar produz 297 alimentos. Agronegócio é soja, milho, algodão, eucalipto e cana, e se diz salvador da pátria"
Nos 30 anos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, um de seus coordenadores nacionais, o economista João Pedro Stédile, não vê mais como prosperar, no Brasil, a luta pela reforma agrária tal como conhecida nos primórdios do MST. Ele observa que no senso comum das pessoas trata-se de repartir o latifúndio e entregar para os sem-terra. "E é isso mesmo, na essência, romper com a grande propriedade. Porém, os projetos de reforma agrária, feitos pelo governo com os instrumentos do Estado, só se viabilizaram, no passado, porque eram política combinada com um projeto de desenvolvimento nacional que objetivava desenvolver a indústria para o mercado interno", diz.
O movimento, no entanto, avalia que a questão agrária não pode se resumir ao objetivo de proporcionar trabalho para segurar as pessoas no campo. "A reforma agrária não é apenas resolver um problema de trabalho. Tem de ser para resolver o problema do veneno, da alimentação sadia. De garantir um futuro, de fazer uma agricultura que respeite o meio ambiente, que respeite a biodiversidade", explica. Enfim, tem de ser base de um novo modelo de desenvolvimento, que una na mesma planilha progresso industrial e sustentabilidade.
Stédile critica a permissividade com que se prolifera no Brasil o uso de agrotóxicos já proibidos em outras partes do mundo por sua agressividade ao ambiente e à saúde. Cita pesquisas que associam o veneno agrícola ao crescimento da incidência de doenças como câncer de próstata, de mama, mal de Parkinson e a problemas de infertilidade. Alerta que, no cigarro, a má fama fica com a nicotina, "que só vicia - o que mata são os produtos químicos usados, sobretudo, no cultivo do fumo". E que a produção em larga escala de cana-de-açúcar levando o veneno também para a aguardente: "Pode largar mão de tomar pinga. No Brasil se bebe cachaça há 400 anos, mas antigamente não tinha veneno, e agora tem".
Stédile vê o cenário político-institucional brasileiro dominado pelo poder econômico. Para ele a burguesia industrial perdeu a oportunidade de fazer um pacto de desenvolvimento porque prefere colocar dinheiro na especulação financeira. "Por isso foram contra a CPMF. Porque o dinheiro deles está no banco, não na fábrica e na produção." Diante da hegemonia do agronegócio no Legislativo e no Judiciário, e de um governo dividido pela composição de classes em seu ministério, não está otimista: "Estamos ferrados". Ele, aposta, porém que "a médio prazo" haverá uma nova ascensão dos movimentos de massa, como foi de 1976 a 1989, empurrada pelo agravamento das contradições da política e do capitalismo brasileiro.
A quantas anda o potencial agressivo dos alimentos que a população consome?
O modelo do agronegócio é apenas um modelo de se ganhar dinheiro. Se o único objetivo é ter lucro, não importa se vão destruir a natureza, se vão usar venenos, se desempregam pessoas. Nos últimos dez anos, apesar de termos um governo progressista, o agronegócio expulsou em torno de 4 milhões de trabalhadores assalariados. O trabalho humano foi substituído por máquinas e pelo veneno. O uso do veneno, por esse modelo, não é uma necessidade agronômica. Para se produzir não precisa veneno, que é usado como uma forma de substituir a mão de obra que antes fazia as práticas agrícolas com tempo de trabalho, por exemplo a capina, um plantio mais cuidadoso. Agora, é máquina e veneno. Primeiro, para substituir a mão de obra. Segundo, como são monoculturas em larga extensão - ou só soja, ou só laranja, ou só algodão, ou só pasto - têm de matar, na lógica deles, todas as outras formas de vida vegetal ou animal. Não praticam uma agricultura. Querem produzir uma commodity. O veneno é a forma de matarem tudo que não é soja, que não é laranja, tudo que não é algodão.
E o veneno, em si, também é um negócio.
GERARDO LAZZARI / RBA
O economista João Pedro Stédile
Há uma aliança de interesses. A Monsanto, por exemplo, fornece fertilizantes, veneno, e compra soja. A mesma coisa a Cutrale com a laranja. A mesma empresa ganha dinheiro com veneno e controlando o mercado, que tem origem nas fórmulas desenvolvidas pela Bayer, pela Basf, pela Du Pont, para os negócios das guerras. Na Primeira e na Segunda Guerra Mundial usaram muito. Depois, na Guerra do Vietnã. Quando terminaram as guerras, as fábricas de veneno pra matar gente e floresta em larga escala foram adequadas para a agricultura.
Agora não é mais em larga escala?
São as mesmas empresas. É os efeitos são de extrema gravidade. Um punhado assim de terra (junta as mãos em concha), tem mais de mil formas de vida. São aqueles bichinhos invisíveis, bactérias, que formam os nutrientes, senão a terra não produz nada. O veneno mata essas formas de vida. E contamina a água. Todas as grandes cidades do Brasil já têm água contaminada com mais de 20 princípios ativos de venenos agrícolas, inclusive em São Paulo. Essa água que a Sabesp nos fornece, que aparentemente é boa, mesmo sendo considerada potável, tem mais de 20 contaminações que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) ainda considera tolerável porque está dispersa. Só que se tomar essa água todos os dias, aquele veneno, que é químico e não conseguimos ver, vai se acumulando no organismo e também nos alimentos. Está em doses mínimas, não vai matar na hora, mas vai se acumulando no organismo.
Como o consumidor de alimentos e dessa água pode imaginar alguma gravidade se ele, como diz o samba, "bebe sim, come sim, e está vivendo..."? Não seria um alarmismo falar que essa água e esse alimento são envenenados?
É uma necessidade da população saber o que tem naquele alimento. Em relação à água, que é mais problemático, os graus de contaminação, no Brasil, estão acima de qualquer país da Europa. Temos uma campanha nacional contra o uso do agrotóxico, da qual participam, inclusive, técnicos da Anvisa, para pressionar o governo a mudar a legislação e baixar os índices de toxidade a limites como os da Europa. E nos alimentos, a única coisa que a Anvisa faz é avisar. Fazem uma pesquisa a cada seis meses nos supermercados, só têm dois laboratórios no país que fazem, quando deveria haver um por cidade, e te avisam. Nós já estamos cansados de saber. Mas vamos avisar os leitores: os produtos que têm mais agrotóxico são o tomate, o pimentão, o morango e a maçã. Ultrapassam o tolerável. Se você está acostumado a, toda semana, comer maçã, é claro que você vai acumular mais veneno do que quem come banana. Se você está acostumado a sempre fazer a comida com pimentão, está frito, porque o pimentão vai transferir para o seu organismo um índice maior de veneno.
Mas se as pessoas não sentem os efeitos do veneno...
Aí vem a maior gravidade: os cientistas e médicos que trabalham no Instituto Nacional do Câncer (Inca) têm feito várias pesquisas e alertado que o veneno, quando se acumula no organismo, começa a atacar as células mais frágeis. É por isso que tem aumentado a incidência de alguns tipos câncer, que não têm mais relação com a idade das pessoas. Você pode ter câncer de próstata com 40 anos. Tem mulheres com 20, 30 anos, com câncer de mama. Por quê? Veneno. O professor Wanderlei Pignatti, da Universidade Federal do Mato Grosso, pesquisou durante dez anos mulheres de uma região do estado e encontrou resíduos de glifosato no leite materno. As mães que achavam que estavam dando o melhor alimento do mundo não sabiam que através do alimento que comiam concentravam também o veneno absorvido no leite; e as crianças, ainda bebês, estavam recebendo suas primeiras doses.
Esse mesmo professor fez outra pesquisa também muito interessante. Há um secante que é passado na soja, para uniformizar seu amadurecimento, porque na natureza não amadurece tudo ao mesmo tempo. Como querem usar a máquina, então têm de entrar quando todas estiverem maduras. Passam então um veneno, a base de glifosato, o chamado secante, que na verdade "mata" toda a soja. Aí vem a máquina e toda a soja está seca. Ao matar a soja, aquele veneno não é mais absorvido pelo grão. Vai para a natureza. Sobe como pó e, conforme o vento, vai para qualquer parte. Açude, horta, serra, qualquer lugar. Porém, esse professor fez uma pesquisa da maior gravidade, no Mato Grosso, onde chove muito: o veneno voltava com a chuva. De novo, a ação humana. Como no Mato Grosso chove por seis meses, no período de chuva guardam água nas cacimbas, nas cisternas. Aquela água da chuva já vinha com altas doses de glifosato. Na Europa e algumas no Brasil, estão fazendo correlações de incidência do glifosato não só com câncer, mas com outras enfermidades.
Por exemplo?
Há pesquisas científicas na Europa comprovando que pessoas que comem alimentos com índices exagerados de glifosato, que é o veneno mais disseminado, já apresentam baixa fertilidade. Os casais começam a não ter filhos e aí um a põe a culpa no outro, quando na verdade a culpa é do veneno. Também foram feitas pesquisas nos Estados Unidos em regiões onde o mal de Parkinson era mais incidente, e a relação que foi encontrada foi justamente essa. As pessoas tinham se contaminado, com os alimentos ou expostas ao veneno usado na agricultura, e desenvolveram maior propensão ao Parkinson.
Ainda assim, o uso dos agrotóxicos não incomoda as pessoas.
Essa questão me provoca, pois nós, como movimento social e como esquerda em geral, temos de fazer um trabalho civilizatório em alertar a população: é um verdadeiro crime o que está acontecendo por conta do agronegócio. Eles estão tendo lucro a peso de vidas humanas. O Inca advertiu que, a cada ano, surgem 500 mil novos casos de câncer, no Brasil. Grande parte deles vem do uso de venenos agrícolas. Mesmo as duas causas aparentes maiores, o tabaco e o álcool, no caso brasileiro: por que que tem uma incidência maior de câncer no tabaco? Porque para se produzir o tabaco, no Brasil, vão 30 tratamentos de veneno por ano. Aquele veneno vai para a folha e, depois, você aspira, da pior forma, vaporizado. É um veneno que vai direto para a sua garganta e o seu pulmão. Por isso que tem tanto câncer. A fama ruim do cigarro é a nicotina, mas a nicotina não causa câncer. Ela vicia. O veneno está no tabaco. A mesma coisa vale para a cachaça.
Mesmo na região de Salinas, por exemplo?
Sobre Salinas vou absolvê-la, porque conheço a região do norte de Minas e, de fato, a cana-de-açúcar dali, além de estar num microclima e compor uma variedade que só dá lá, produz uma cachaça muito gostosa, lá não usam veneno, pois são tudo pequenas propriedades. Já em São Paulo, toda a cana-de-açúcar é cultivada com altas doses de veneno. Você, que é peão e está acostumado, pode largar mão de tomar cachaça. A cana tem veneno, vai para o alambique, a destilaria, quando se retira o mosto fica a essência, transformada em álcool, junto com o veneno. Ao se tomar a pinga com frequência vai absorvendo. Por isso que tem aparecido câncer entre os alcoólatras. Não é a cachaça o mal pior. Toma-se cachaça há 400 anos no Brasil e antigamente não tinha veneno, agora tem.
As organizações do movimento social rural, como MST, Via Campesina, têm conseguido ampliar a cultura do orgânico nos assentamentos? Existe um projeto para fazer com que cresça uma agroindústria baseada em produtos agrícolas familiares saudáveis?
Acho que é uma longa caminhada que envolve muitos fatores, por isso não é fácil mudar do dia para a noite. Até oito anos atrás, ou até o Lula ganhar as eleições, não havia nenhuma faculdade que ensinasse agroecologia, o agrônomo não sabia como produzir com outras técnicas, na faculdade só se falava em adubo químico e veneno. De oito anos para cá já estamos tendo cursos de agronomia baseados na agroecologia. Olha que demorado. Tem de formar os agrônomos, para que comecem a dar aulas para outros agrônomos e multiplicar o conhecimento, que é universal, das técnicas de agroecologia. Tivemos a sorte de ter aqui no Brasil a maior cientista da agroecologia de solos, que é a professora Ana Maria Primavesi, que tem 92 anos e produziu o conhecimento científico que embasa isso. Estudou profundamente a natureza do solo. Depois, tivemos de levar esse conhecimento para os agricultores e provar para eles que era possível produzir sem veneno. O terceiro campo é convencer o governo, que também é ignorante. Reflete a sociedade. Pela primeira vez, no ano passado - e teve de ser em nível da Secretaria-Geral da Presidência, porque nem o ministério da Agricultura nem o do Desenvolvimento Agrário quiseram se envolver - criamos o primeiro plano nacional de agroecologia, para fomentar o conhecimento.
Com a Embrapa, dá para contar?
Na Embrapa, eles foram muito espertos. Porém, tem duas ou três unidades da Embrapa onde se concentram os agrônomos de maior consciência, que centram as pesquisas em agroecologia. Mas de todas as pesquisas que estão fazendo na Embrapa, 80% interessa ao agronegócio e 20% à agricultura familiar. Esse é o quadro da Embrapa, e reflete um pouco na sociedade. Nosso esforço de anos recentes é fazer com que o governo tenha um olhar mais atencioso para a merenda escolar.
As compras públicas seriam um canal para estimular essa produção?
Exatamente. Agora, conseguimos estabelecer em lei que 30%, no mínimo, de toda a merenda escolar, no Brasil, que é financiado pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar, do Ministério da Educação, e vai para as prefeituras, venha da agricultura familiar.
Só 30%? Ainda sobra muito espaço para o Toddynho e o salgadinho...
Ainda sobra muito. Mas também estamos produzindo o Terrinha, que é concorrente do Toddynho, com leite e chocolate sem veneno. Então, é um esforço muito grande... Aqui mesmo, na prefeitura de São Paulo, até a entrada do Fernando Haddad, o anterior se fazia de sonso: "Como não tem agricultura familiar na cidade de São Paulo, não sou obrigado a comprar". Mas a lei não diz que tem de ser do município. Diz que é da agricultura familiar. Agora, com vontade política da prefeitura, as mais de 3 mil escolas respeitam a lei e no mínimo 30% da merenda sai da agricultura familiar. Outro movimento que estamos fazendo, em todo o Brasil: há uma proliferação de feiras agroecológicas. Todas as cidades do Brasil já têm. Algumas de maneira permanente, como a feira da Água Branca (São Paulo), em outras cidades fazemos em temporadas.
E fora dos grandes centros, como está o escoamento?
No Nordeste tem muitas feiras agroecológicas. O trabalho que estamos fazendo é hercúleo, mas necessário e, sobretudo, humanista. Ao produzir alimentos saudáveis, estamos salvando uma parte do povo brasileiro. No fim de semana de carnaval fui à Paraíba, por conta das celebrações do aniversário da Elizabete Teixeira, uma das grandes lideranças ainda viva das Ligas Camponesas, que fez 90 anos. Era também a comemoração dos 100 anos que faria o Francisco Julião, se estivesse vivo, e de 60 anos das Ligas. Aproveitei e andei na região de Campina Grande, visitando agricultores e experiências de agroecologia. Um agrônomo do sindicato local me disse: "Olha, há 15 anos Campina Grande e arredores tinham o maior índice de câncer da Paraíba". De 15 anos para cá, com a assessoria da AS-PTA (Assessoria e Serviços a Projetos de Agricultura Alternativa, programa da ONG Fase), eles treinaram agricultores e hoje, nos 20 municípios da região de Campina Grande não se usa mais veneno, porque lá é uma base só de agricultura familiar. Praticamente eliminaram o veneno. Disseram que não têm estatísticas, mas que praticamente desapareceu o câncer no meio rural, pelo que se registra nos hospitais. Isso é uma vitória fantástica. Começou salvando a vida dos agricultores, que é o primeiro a ser atingido pelo veneno, depois o consumidor, que não vai mais receber as doses diárias de veneno e só se dava conta no hospital.
Há uma perspectiva otimista de que a agricultura familiar possa crescer e disputar com o agronegócio um espaço maior, sobretudo nessas regiões em que o crescimento está se dando de maneira descentralizada?
Não tenho dúvida nenhuma. O chamado mercado dos produtos saudáveis, orgânicos ou agroecológicos cresce em torno de 10%, ao ano. Por outro lado, a população se dá conta de que não é mais caro de se produzir na forma da agroecologia. Como é que ela está se dando conta? Porque estão surgindo mais feiras, então o preço é melhor, e isso está quebrando o monopólio dos supermercados. O que o Pão de Açúcar fazia, e ainda faz? Compra o produto orgânico dos pequenos agricultores, inclusive organizando centrais, onde o pequeno agricultor entrega e eles só lavam e colocam naquelas caixinhas padronizadas; porém, como sabe que o produto orgânico chega numa pessoa que tem mais consciência, classe média, aumenta o preço, para ter lucro máximo, em cima da disposição da classe média de pagar um pouco mais por um produto que tem o selo de garantia. Essa máscara está caindo, porque mais produtos estão chegando ao mercado, às feiras, e as pessoas começam a comparar: por que um quilo de tomate orgânico no Pão de Açúcar custa R$ 14 e na feirinha da Água Branca custa R$ 7?
As pessoas consomem orgânicos por consciência, ou estaria virando "grife"?
É perceptível em todas as regiões que aumentou a consciência da população, tanto pelos casos de saúde na família quanto pelo aumento da informação. Há muita informação que agora circula pela internet e que há dez anos não se tinha. O próximo passo é nós, como movimento social, nessa campanha contra os agrotóxicos, começarmos a buscar barreiras legais ao uso do veneno, coisa que a Europa já vem fazendo. Em toda a Europa é proibido usar pulverização aérea. Aqui é um festival, 60% dos venenos são passados com avião. Dois anos atrás, chegaram a "bombardear" uma escola, enquanto as crianças brincavam no pátio. Foram hospitalizadas mais de 200, porque aspiraram imediatamente. Foi em Rio Verde, Goiás. Um crime. A pulverização aérea nós temos que proibir, porque ela fica no espaço, no ar, no alimento, na água e mata tudo o quanto é ser vivo que existir. Toda a Europa já proibiu.
Essa proibição, enquanto não acontece por lei federal, não poderia ir sendo alcançada por leis municipais ou estaduais?
Nós tivemos alguns municípios que proibiram, como São Gabriel da Palha, no Espírito Santo. Havia uma grande propriedade de café, e o dono pulverizava veneno e todos os pequenos agricultores da região sofriam as consequências. Os pequenos fizeram um movimento, motivaram a Câmara, e proibiram. Nós estamos numa campanha cujo lema é "Banimento dos venenos que já foram banidos em outros países". Porque determinados países proíbem o veneno e o que eles fazem? Trazem para cá. Se um país da Europa proibiu, é porque eles tiveram mais consciência e mais pesquisa para dizer que o veneno é mesmo perigoso. Há uma lista de mais de 20 desses venenos que ainda circulam no Brasil. O glifosato, princípio químico da maior parte dos venenos que se aplicam no Brasil, feito por uma fábrica da Monsanto no polo petroquímico de Camaçari (BA), já foi proibido na Holanda e na Bélgica.
Outra medida que é urgente: tributação. Sobre a água da Sabesp incide imposto, está lá na conta; ou se você comprar da Coca-Cola, ou da Nestlé, paga 17% de IPI. O leite paga imposto, o café paga imposto. Tudo paga. Ou IPI, ou ICMS, ou os dois. Mas os venenos estão isentos de impostos, no Brasil. Qual é a lei que determinou a isenção do ICMS para veneno agrícola? Nós fomos procurar saber. Na época do Fernando Henrique, década de 1990, fizeram uma reunião de secretários estaduais da Fazenda e, como tinham hegemonia nos estados, junto com o secretário do Tesouro, fizeram uma ata renunciando à cobrança de ICMS sobre o veneno. Mais influência das multinacionais do que isso? Tem que ir lá, de estado em estado, dizer que essa lei é fajuta. Ninguém aprovou. Esses secretários não tinham mandato para isso. É preciso que as assembleias legislativas tomem para si essa responsabilidade e voltem a cobrar o ICMS dos venenos, para que pelo menos a sociedade recupere um pouco dos recursos para gastar com saúde, já que as fábricas têm um lucro fantástico.
Como acontece com tabaco e bebidas?
Quem sabe, no futuro, consigamos o que na indústria tabagista já se conseguiu em outros países. Se se comprovar que a causa do câncer do cidadão foi o veneno agrícola, quem tem que pagar o tratamento é a Bayer, a Basf, a Monsanto, quem fez o veneno. Assim como nos Estados Unidos já fazem em relação ao tabaco. Se você comprovar que o teu câncer é por causa do tabaco, a empresa que fabricou o tabaco vai ter que pagar o seu tratamento, e não a sociedade. Mas isso seria um sonho. Espero, também, nessa mesma política, que as prefeituras nos ajudem a produzir material para esclarecer as crianças e os professores dos perigos disso, para começarmos lá na base e elas mesmas, as crianças, recusarem. Por exemplo, quando ela compra uma batata frita, ela perguntou quanto veneno tem na batata? E ela começa a comer batata frita no recreio.
Na cantina ela compra batata frita, refrigerante, suco de caixinha, coxinha...
Tudo o que há de pior. Por exemplo, o abacaxi é uma das frutas que mais utiliza veneno, depois que começou a ser produzido em escala pelo agronegócio em grande propriedade. Quando era o pequeno agricultor, ele tinha meio hectare de abacaxi, porque dá muito trabalho, então ele cuidava de meio hectare. E, na medida em que ia amadurecendo, colhia. Agora não. Eles amadurecem na marra, com veneno. Vão colocando já na flor do abacaxi. O veneno cai em conta-gotas, para amadurecer tudo igual. Quando se vai comer um abacaxi, já vem a dose de veneno, que vai para o suco, e assim por diante. Além do que a maioria desses sucos de caixinha, para ele sobreviver dentro da caixinha, vai conservante. Conservante também é um veneno, porque é para matar os fungos e as bactérias. O que nós, como movimento da agricultura familiar e da agroecologia, dizemos: tem de se abandonar as embalagens de plástico e voltar para o vidro. E cadê as fábricas de vidro? Não tem, porque só duas fábricas multinacionais, no Brasil, fazem vidro, e a produção prioriza o automóvel e a construção civil. Quando a nossa cooperativinha tenta encomendar mil frascos para geleia natural, não tem.
As cooperativas todas não têm condições de criar demanda para essa indústria?
Claro que tem. Lá no Uruguai, na época do neoliberalismo, houve uma greve da única fábrica de vidro do país, uma multinacional espanhola. Na fábrica, para transformar areia em vidro, precisa de mais de mil graus de temperatura. O forno não pode desligar. E os operários fizeram a greve e desligaram o forno. O capitalista ficou puto, pegou o seu capital, voltou para a Espanha e fechou a fábrica. Os operários, que só sabiam fazer vidro, o que fizeram? Fizeram uma assembleia e religaram o forno, transformaram numa cooperativa e está lá, funcionando. Quando começamos a ter problemas, fomos comprar vidro do Uruguai. E nos perguntaram por que não montávamos uma fábrica. Então, ajudaram com um projeto e vão nos dar assessoria, tomara que o BNDES financie, para montarmos uma fábrica e começarmos a fazer vidro destinado às cooperativas que produzem alimentos. O negócio é demorado, mas esse é o caminho em todo o mundo.
A reforma agrária parou no Brasil? Continua? Está aquém do que precisa? Em termos práticos e teóricos, em que pé que está?
No senso comum das pessoas, se perguntar o que é a reforma agrária, todo mundo tem na cabeça que é repartir o latifúndio e entregar para os sem-terra. E é isso mesmo, na essência, romper com a grande propriedade, sinônimo de latifúndio. Só a (ministra da Agricultura) Kátia Abreu não sabe, porque ela estudou psicologia. Se tivesse estudado português, saberia que latifúndio é sinônimo de grande propriedade. Ela diz que não tem mais latifúndio, no Brasil, embora ela mesma tenha 3 mil hectares. É latifundiária sem saber. Porém, os projetos de reforma agrária, feitos pelo governo com os instrumentos do estado, só se viabilizaram, no passado, porque eram política combinada com um projeto de desenvolvimento nacional que objetivava desenvolver a indústria para o mercado interno.
Aquele país "comunista", os Estados Unidos, começou assim.
Só viraram ricos por causa disso, com a lei de reforma agrária que fizeram em 1872, quando o norte, industrial, fez guerra contra o sul, latifundiário e escravista, e ganhou. Distribuíram terra para todo mundo, 64 hectares, nem mais, nem menos. Essa foi a sabedoria do presidente Abraham Lincoln, que escreveu a lei de reforma agrária. Toda família americana, tinha, por lei, direito a 64 hectares. E mais: era autoaplicável. Não precisava o "Incra" ir lá. Depois de comprovar que morava há cinco anos em cima daquela terra, para o trabalho, ia ao cartório com dois vizinhos de testemunha e o governo concedia o título. Isso foi a base para os Estados Unidos virarem a maior potência industrial do mundo. Coincidência ou não, 64 hectares é mais ou menos a escala ideal para um trator médio trabalhar. Em poucas décadas de reforma agrária, em 1920, os agricultores americanos tinham 900 mil tratores. Sabe quantos temos na agricultura brasileira? Cem anos de industrialização, no Brasil, produziram apenas 880 mil tratores. Aquela reforma agrária só se viabilizou porque foi casada com um projeto de desenvolvimento da indústria, porque transformava o camponês pobre e sem-terra em um produtor de mercadorias e consumidor da indústria.
E nunca chegamos perto disso aqui?
Aqui no Brasil, o projeto que chegou mais próximo dessa reforma agrária foi com o Celso Furtado, em 1964. Ele foi sábio. Disse "vamos desapropriar todas as propriedades acima de 500 hectares". Com isso, estabelecia um limite. Pra que se quer 100 mil hectares, ou 300 mil, como tem o (senador) Blairo Maggi? É absurdo. Porém, não em qualquer lugar. O projeto do Celso Furtado era desapropriar essas áreas, acima de 500 hectares, ao longo das rodovias federais, 10 quilômetros de cada lado, para o camponês ficar perto do asfalto e perto das cidades. Assim, ele ia ter luz elétrica rápido e, atrás da luz elétrica, viria a geladeira, o fogão, a televisão, o ferro elétrico. Ou seja, a indústria chegaria lá. Qual foi o resultado dessa proposta do Celso Furtado? O golpe militar. Depois, na redemocratização, o José Gomes da Silva, nosso amigo, que era da equipe do Lula e pai do José Graziano, hoje presidente da FAO, tentou recuperar essa ideia e fez um projeto que previa o assentamento de 1 milhão e 400 mil famílias. Ele entregou o projeto em 4 de outubro, dia de São Francisco de Assis, e o Sarney o demitiu no dia 13. Durou nove dias esse projeto de reforma agrária. A pergunta subsequente é...
Por que o Lula não fez a reforma agrária?
Na generosidade dele, acredito que ele até queria. Por que a reforma agrária está bloqueada até agora? Porque falta ao Brasil um projeto de desenvolvimento nacional e industrial. Ao contrário, a indústria vem diminuindo. Na década de 80, a indústria pesava 50% do PIB, hoje é 16%. Não se pode fazer uma reforma agrária em que é só dividir a terra, sem estar casada com um projeto de desenvolvimento nacional. Como nos falta um projeto, falta também uma burguesia industrial disposta a bancar esse projeto. Os camponeses, sozinhos, 10% ou 15% da população, não têm forças políticas para impor. Não há condições políticas, atualmente, no Brasil, para fazermos aquela reforma agrária clássica. Eu fui dar palestra na Fiesp e disse: "Vocês são burros! Estamos querendo fazer parcerias com vocês para desenvolver a indústria, a agroindústria, mas vocês não querem. Querem ganhar dinheiro com juros." Era na época em que eles faziam a campanha para acabar com a CPMF. Por que queriam acabar com a CPMF? Porque o dinheiro deles estava no banco, e não nas fábricas.
Não vale mais a pena lutar pela reforma agrária?
O que nós dissemos, depois de muitas reflexões, nos últimos anos é que agora a reforma agrária mudou de tipo. Que tipo de reforma nós temos de fazer? Um outro tipo, que nós chamamos de popular. Centrada na produção de alimentos saudáveis. A outra reforma agrária estava baseada na palavra de ordem que os camponeses gritavam, na América Latina inteira: "Terra para quem nela trabalha", que o (Emiliano) Zapata inventou. Hoje não tem sentido fazer uma reforma agrária só porque o camponês precisa trabalhar, até porque ele te diz que pode trabalhar de pedreiro e ganhar mais. A reforma agrária não é apenas para resolver um problema de trabalho. Tem de ser para resolver o problema do veneno, da alimentação sadia. De garantir um futuro, de fazer uma agricultura que respeite o meio ambiente, que respeite a biodiversidade. Por que está faltando água em São Paulo? É por que o (governador Geraldo) Alckmin não fez investimentos e privatizou a Sabesp? É, mas não é só por isso. É porque os mananciais que abasteciam o Cantareira, lá em cima do morro, secaram. E o que faz encher um açude, em qualquer parte do Brasil, são as fontes, córregos e nascentes.
Por que secaram?
Por causa de uma agricultura predadora, baseada no monocultivo e no veneno. Olhem ao redor da Cantareira. Ou tem eucalipto, que suga 60 litros de água por dia, ou não tem nada. Ou, virou monocultivo de cana. Essa prática do agronegócio está afetando a vida das pessoas, inclusive nas cidades, seja pelo alimento contaminado, seja pelo desequilíbrio climático, por conta das práticas agrícolas. Então, temos de repartir melhor a terra para aplicar um outro modelo de agricultura, que seja em equilíbrio com a natureza, que não altere as chuvas, que não altere o clima. Que plante árvores. As árvores caem em São Paulo por causa do vento, não porque estão velhas. Uma árvore dura a vida inteira. E por que o vento, aqui, é mais forte? Porque já não encontra mais resistência nas imediações de São Paulo, então vem com um velocidade enorme e derruba. Nós temos de fazer uma reforma agrária que refloreste o país, porque a árvore é uma fonte de vida perene. Depois que se planta uma árvore, ela fica uma vida inteira. Se for uma árvore frutífera, em todo ano ela te dará alimento. O agronegócio vai reflorestar o país? Imagina...
Ninguém mais quer viver no interior, igual ao Jeca Tatu. Como se leva comodidades para o interior?
Leva com a agroecologia, que são técnicas que fazem com que se aumente a produção, com menos esforço físico. Leva com a agroindústria. Ou seja, em vez de o agricultor vender o leite in natura para a Nestlé e receber R$ 0,55, para depois ver, no supermercado, o mesmo leite, agora com água e mais conservante, a R$ 2, como se leva esse lucro para o agricultor? Isso é possível? É. Nós temos uma cooperativa, em Paranacity, no norte do Paraná, em que 36 famílias produzem tudo coletivamente. Produzem o leite orgânico. Cuidam das vacas, com pasto sem veneno, plantam cana para as vacas comerem. Produzem todo o leite necessário para o município, e todo dia de manhã pasteurizam o leite e levam aos mercados, padarias e escolas. 36 famílias alimentam 10 mil pessoas com leite, e vendem a R$ 1. Ganham o dobro, o consumidor paga a metade e percebe a diferença. Esse é o nosso novo modelo. Uma reforma agrária popular que não interessa só aos camponeses. Interessa a toda população, através dos alimentos, da pureza e da disseminação da agroindústria, pequenas agroindústrias por todo o país.
Tem espaço para isso na política? Vontade política basta para isso? Ou a mentalidade do poder econômico, no Brasil, ainda está muito atrasada? Congresso, Judiciário...
Na política atual, nós estamos ferrados. Na política atual, quem tem a hegemonia é o agronegócio, com a bancada ruralista no Congresso, com seus juízes, a maioria casados com filhas dos latifundiários, e com um governo dividido. Temos o Patrus Ananias, que é de esquerda, no Ministério do Desenvolvimento Agrário, e a Katia Abreu, da direita, na Agricultura. Como é que o governo chega a uma conclusão, se tem no ministério uma composição de classes? Qual é a nossa esperança? É que os problemas vão se acumulando, na sociedade brasileira. As contradições estão aí para buscarmos as verdadeiras soluções. Por mais que a mídia falsifique a realidade, a médio prazo, temos de apostar na inteligência humana e que as pessoas vão se dar conta de onde está a verdade. Nós apostamos que, a médio prazo também, haverá uma reascensão dos movimentos de massa, no Brasil, como foi de 1976 a 1989.
É comum os líderes do agronegócio alegarem que se não fosse por eles, inclusive com a produção de "defensivos agrícolas", não seria possível alimentar a grande massa de gente que se tem hoje, não só no Brasil como no Mundo.
No Brasil, apesar de nós termos 360 milhões de hectares de propriedade privada que são agricultáveis, e já têm dono, só se cultivam 64 milhões de hectares. O absurdo começa aí. Por que se cultiva tão pouco? Porque está monopolizado. Nesses 64 milhões de hectares que se cultiva, 15 milhões são agricultura familiar, o restante é agronegócio. O que se planta nesses 50 milhões de hectares e, portanto, que dizem salvar o Brasil? Plantam soja e milho, combinados, plantam algodão, eucalipto e cana-de-açúcar. Note se na sua mesa você vai encontrar esses produtos. Vai ter óleo de soja, uma fritura. O que mais? Ou seja, a maior parte da produção não tem nada a ver com a cesta alimentar. Vai lá na Conab (Companhia Nacional do Abastecimento). Nosso sonho é transformar a Conab em uma grande empresa estatal. A Conab está comprando hoje, produzidos nesses 15 milhões de hectares da agricultura familiar, 297 tipos diferentes de alimentos. Esses são os que alimentam o povo. Aí você encontra o arroz, o feijão, as frutas, o leite, a carne. A carne de frango é fornecida pelo frigorífico, mas quem cuida do frango? É o pequeno agricultor. A carne de porco, a mesma coisa. A agricultura familiar produz 297 alimentos. O agronegócio produz isso aí: soja, milho, algodão, eucalipto e cana, e se diz salvador da pátria. Agricultura pesa 11% no PIB, mas dizem que "carregam" a economia. É para isso que existe a Globo.
Mas eles reclamam que o governo dá as costas para eles.
Esses 50 milhões de hectares, que geran os 11% do PIB, são financiados, todos os anos, com algo em torno de R$ 160 bilhões. De onde vêm esses R$ 160 bilhões, já que dizem que carregam o Brasil nas costas? Sabe de onde vem? O governo obriga que 40% dos depósitos à vista sejam destinados ao agronegócio, ao financiamento da agricultura. Portanto, quem está financiando a agricultura são os correntistas de depósitos à vista, que não recebem nada. Aí o fazendeiro pega R$ 1 milhão para plantar soja. O governo ainda combina com ele. O banco diz: "Não vou emprestar para esse cara. No comércio, recebo 48% de juros. Por que vou emprestar a 12%?". Então, o governo faz mais um acerto: pega do Tesouro e paga para o banco mais 12%. O Tesouro nacional - ou seja, todos nós - gasta todos os anos 12% sobre esses R$ 160 bilhões. Então, quem é que está carregando o Brasil?

terça-feira, 29 de dezembro de 2015

2016

Neste final de ano sinto a necessidade de agradecer de coração a todos aqueles Brasileiros que, imunes à intoxicação da mídia facínora, fizeram que hoje estou aqui, vivendo joias e dores deste maravilhoso país que me restituiu à liberdade sem matar os meus sonhos. Obrigado.
FELIZ ANO NOVO!










quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

NASSERA: BREVE HISTÓRIA DE UMA IMIGRANTE



Escrevi este conto curto homenageando as peripécias da mulher africana para conquistar o direito de ser.

Foi publicado em uma antologia de contos na França e é por isso que está em francês. Estou querendo fazer uma tradução para os amigos brasileiros. Daqui a pouco.



NASSERA
de

Cesare Battisti

Avant Nassera, ma réputation dans le quartier se réduisait à monter et descendre les escaliers de mon immeuble pour m'approvisionner, c’était mon unique seule préoccupation, la seule idée perceptible de mes pensées. J'étais certainement déjà un dépressif mais ne le savais pas et puis, comme je payais rubis sur l'ongle tous mes achats, je m'offrais aussi le bonjour de mes voisins dont certains parmi les plus zélés étaient désormais persuadés de mon innocuité et avaient fini par effacer le mot parasite  de leurs regards fuyants. Je pouvais aussi jouir d'un petit confort bâti grâce à l'héritage d'un modeste deux pièces, associé à un certain talent dans l'art de dribbler les obstacles des Assedic. Ce qui me permettait de mener une vie loin du stress des ambitions.
Après Nassera, je n’ai plus fait que prendre des trains, l’un après l'autre, parce qu’à chaque arrivée je ne voyais que de bonnes raisons d'aller encore plus loin. Loin des plaisirs de la décomposition, on se recompose sur les chemins de l'enfer. Comme Nassera, qui avait fuit l'Afrique. Quel pays d'Afrique ? Quelle importance, y a-t-il des Africains pauvres qui n'ont plus qu'à fuir leur propre terre ? Mes auriculaires chantaient ... écoute ce dit le vent my friend, le vent va te répondre..., quand ma vie allait se visser à la sienne. Avant elle, je n'avais ja mais pensé que dans la rue il y avait des gens qui n'avaient pas le droit d'y être et n'avais jamais vu une fille échapper à la police avec autant de grâce. Elle ne courrait pas mais de son corps émanait une force qui déplaçait l'air. La baguette me tomba des mains pendant que je me dépêchais de lui ouvrir la porte de mon immeuble.
Elle avait les pommettes hautes, le nez bien dessiné et les cheveux coupés courts comme ceux d’un garçon. Elle savait où trouver les testicules de mouton pour préparer le Mako-mako, délicieux même sans le foie de dromadaire, et sa voix était aussi douce que ses soupirs. Mais elle était blessée, pas seulement dans l'esprit, son corps l'était aussi. Elle me faisait l'amour dans le noir et avait honte de son corps mutilé par les aiguilles des mégères cherchant l’endroit où se trouve la marque du diable. « Et elles l'ont trouvée, la marque ? ». Un fanatique trouve toujours ce qu'il cherche ; chez Nassera il y en avait par dizaines.
Fuir pour sauver sa vie, sa liberté d'être femme qui s’était opposée à la lapidation de ceux qui osaient s’aventurer jusqu’à son village pour leur apprendre le danger du sida.
Nassera, sorcière pour les uns, adultère pour les autres, illégale ici.
Je n'avais jamais autant fréquenté les salles de cinéma avant de rencontrer Nassera. Elle avait une raison infaillible pour éviter les longues queues aux guichets : « S'il y a plein de monde, le film n'est pas bon ». Toujours au premier rang, elle levait la tête comme si l'écran était un ciel palpitant où planer. Soudain, entre une exclamation et un soupir, elle revenait hâtivement à moi avec un baiser sur la joue. Étais-je amoureux ? Aujourd'hui je revis par la pensée ces mots qui m'ont poussé à me construire cette cuirasse d'indifférence que je porterai toujours.
Nassera savait lire dans mes pensées et soignait mes maux de tête posant la main gauche sur mon épaule. « Mais tu es sorcière ? » Elle égrenait alors son rire qui remplissait la pièce de mille clochettes. Guillaume, mon voisin ne m'aimait pas. Il était cousin d'un préfet et avait l'ouïe sensible. Il devenait de plus en plus hargneux, ses géraniums étaient tombés malades, empoisonnés, disait-t-il. Nassera le fuyait, moi je me marrais.
Je hais le pain au chocolat. Nassera adorait ça. J'en avais dix dans le sachet qui me tomba de mains lorsque le concierge m'appris que la police l'avait embarquée. « Où ? » Je courrais. Telle une mouche prise au piège, je me heurtais contre les murs du cynisme bâtis dans la grisaille de nos institutions. Le mutisme, avant l'ignominie : « Rentrez chez vous monsieur, elle s'est pendue ».
Rentrer. Comme un ver dans son cocon.
Le cœur terni par la grisaille, j’étais en train de faire mon sac quand les pompiers découvrirent le corps de Guillaume, mon voisin, le cousin du préfet. Mort, pendu.
Aujourd'hui je n'arrête pas de revenir à cette question que j'avais un jour posée à ma petite clandestine : « Dis-moi, Nassera, t'as jamais pas eu peur de mourir ? » Elle m'avait alors regardé avec ses yeux noir émerveillés : « Quand on meurt on bien autre chose à faire qu'à penser à la mort… ». Je n'avais jamais songé à cela non plus, mais maintenant oui. Dans chaque salle d'attente je ne vois que ça, des gens mourir sans s’en soucier.
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sábado, 19 de dezembro de 2015

LEITURA FURIOSA




Neste sábado cinzento, com pouca vontade de sair de casa, nada melhor de um mergulho na filosofia para afastar a tentação de vegetar frente a televisão, bocejando com algum famoso programa que não deixa de ser apenas  uma paródia do que teria em formato original nessa obra culta de Alberto Pimenta. 







                                               Plano Geral

de como o filho-da-puta existe e praticamente se encontra em todos os lugares. Do pouco que se sabe acerca dele. de como os trajes e a conformação física não bastam para o definir. Alguns traços distintivos do filho-da-puta. seus gostos, e lugares que ocupa. modos de o filho-da-puta ser filho-da-puta. De como o filho-da-puta é acima de tudo filho-da- puta. as suas grandes especializações. sua vida particular e pública. perguntas feitas por ele mesmo. o seu sistema de entreajuda. da escola como seu lugar predileto. do lar como seu lugar excelso. das infindáveis variedades de filhos-da-puta. de como vive o filho-da-puta. a questão de saber se o fil dos lugares de ho-da-puta já nasce filho-da-puta. seus temores e receios. sua freqüência dos lugares de recreio e diversão. de como ser filho-da-puta não compensa. um outro traço distintivo seu. alguns aspectos anedóticos. de como se é filho-da-puta em full-time. de como o filho-da-puta costuma ter quem se ocupa dele. das coisas que o consolam. de novo a questão de saber se o filho-da-puta nasce ou se faz. de como os seus processos e hábitos mudam de época para época e de lugar para lugar. a técnica do filho-da-puta. novo traço distintivo seu. modo de ser do filho -da-puta nacional. de como o filho da puta morre de muitas maneiras, e de como para ele todas são boas. de como gosta de deixar, ou até de fazer morrer os outros, e de como esse é outro traço distintivo seu. de como a sua vida só é compreensível em função da morte. de como fica sumamente preocupado com os que vivem só em função da vida de como a morte é para o filho-da-puta o verdadeiro começo. do elogio fúnebre como ponto máximo na sua carreira. grande lema do filho-da-puta e final com brio.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

EMBU PERDE UMA GRANDE ARTE

Dois anos morando na mesma cidade, talvez a poucas quadras de distancia, e só hoje, ao seu enterro, foi quando mais me aproximei dele. Estou falando do artista mundialmente conhecido Walde-mar.
Walde-mar de Andrade e Silva, não foi só pintor e escritor mas ficará na história também como uma eminencia no conhecimento da cultura indigena. Ele viveu por vários anos com grupos étnicos no Parque  Nacional do Xingu com apoio dos irmãos Villas Bôas. Experiência que, além de torna-lo un defensor dos direitos das comunidades, inspirará toda a sua futura criação nas artes visuais

Em 2005,Fundou o Centro de Informação da Cultura Indígena, criou o Museu do Índio de Embu, com objetos de interesse artístico, histórico e etnológico, angariados durante sua estadia no Parque Nacional do Xingu e em diversas visitas a grupos culturais indígenas das regiões Norte e Centro-Oeste do Brasil.

 Cesare Battisti.



segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Ex-ativista italiano aproveitou lançamento de livro para curtir um churrasco com amigos na Capital | Foto: Mauro Schaefer

Battisti visita RS "Aqui é minha família no Brasil"

Ex-ativista italiano aproveitou lançamento de livro para curtir um churrasco com amigos na Capital

Ex-ativista italiano aproveitou lançamento de livro para curtir um churrasco com amigos na Capital | Foto: Mauro Schaefer                   
O ex-ativista italiano Cesare Battisti passou nesta semana pelo Rio Grande do Sul para divulgar seu novo livro "O Cargueiro Sentimental" e aproveitou para rever "sua família no Brasil" em Porto Alegre. "Não posso separar o Rio Grande do Sul da minha vida no Brasil. Aqui é primeiro e depois o resto do país", salientou enquanto desfrutava um churrasco na Capital.  (...)

Sobre a passagem porto-alegrense, ele enfatizou que divulgar seus novos escritos era bem menos importante do que estar na Capital. "O livro foi um pretexto para voltar a Porto Alegre e visitar meus melhores amigos e irmãos", definiu. Em 2012, participou do Encontro da família Battisti, nas dependências do CTG Sinuelo da Amizade da cidade de Progresso.

Battisti lembrou do evento  no Rio Grande do Sul, quando acabou descobrindo quão numerosa é a família em solo gaúcho. "Encontrando eles aqui é que me dei conta que eram mesmo minha família", enfatizou.

Ele frisou que não pode conversar de política, "para evitar problemas", mas condenou a atuação de parte da imprensa no Brasil. "Fico surpreso às vezes de escutar perguntas de jornalistas com 20 anos a menos que eu, sobre coisas que eles não podiam entender", relatou. "Só podia perguntar a eles onde estavam nessa época. Claro que a resposta era que nem tinham nascido", ponderou.

"Quer dizer, estão julgando a pessoa e ainda com perguntas que mandaram eles dizerem, sem se preocuparem com quem estão falando", definiu o ex-ativista. "Não posso dizer se é incompetência ou falta de ética. Pode ser malicioso ou não, mas o resultado não muda", afirmou Battisti.

Battisti foi condenado na Itália por assassinatos cometidos nos anos 1970. Ele teve sua deportação ordenada no começo do ano, mas obteve um habeas corpus para aguardar os procedimentos jurídicos em liberdade. Foi sentenciado em seu país de origem à prisão perpétua, por matar quatro pessoas nos anos 1970, crimes dos quais se diz inocente. Em 2004, ele desembarcou no Brasil, depois de três décadas fugindo da Justiça.

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

LIVRO: O CARGUEIRO SENTIMENTAL




Sobre o livro:

Na Itália, nos anos 1970, um jovem deixa a casa da família para se juntar a um movimento esquerdista, rompendo assim com seu pai, ele próprio envolvido a contragosto na Resistência.
No entanto, tão interessado nas garotas quanto no combate político, ele logo encontra Silvana, que o inicia no amor. Porém, um dia, a moça lhe informa que está grávida antes de desaparecer. A luta chega ao fim. É hora da fuga. Vem, então, o tempo das andanças que o levam a Paris, onde ele deve se confrontar com as dificuldades de um exilado político sem situação reconhecida.

FICHA TÉCNICA

Título:O CARGUEIRO SENTIMENTAL
Autor: BATTISTI, CESARE
Seção: Literatura
ISBN:9788580632460
ISBN13:9788580632460
Editora:MARTINS FONTES SELO MARTINS
Assunto:LITERATURA
Ano de Publicação:2015
Coleção:COL. PROSA
Edição:1
Páginas:180

LIVRO: SER BAMBU




Sinopse:

Um homem em fuga permanente, com rotina e próximo destino incertos. Medo, solidão e insegurança são sentimentos comuns em sua atormentada saga, e, assim, a escrita surge como um bálsamo para os seus fantasmas interiores. Com o tempo à sua disposição, deposita no papel seus pensamentos, ideias e a esperança de um dia voltar a ser um homem livre.
Cesare Battisti tece, em Ser bambu, um relato que alia suas reflexões sobre o tédio e o medo a uma envolvente narrativa biográfica. Desta vez, a protagonista é Áurea, uma mulher misteriosa, arredia, que provoca no narrador uma curiosa mistura de desprezo e fascinação. Aos poucos, ela desperta em seu interlocutor uma análise de seu próprio comportamento e do que lhe falta na vida, ao relatar a interessante trajetória de uma mulher corajosa e ousada. O autor mostra que, assim como Áurea, o bambu tem a ensinar uma bela lição de flexibilidade, determinação e resistência.


Características
Autor(a) Cesare Battisti
Informações Técnicas
Título Ser Bambu
Autor(a) Cesare Battisti
ISBN 9788561635459
Páginas 224
Edição 1
Tipo de capa Brochura
Editora Martins Fontes
Ano 2010
Assunto Literatura Estrangeira-Romances
Idioma Português

MINHA FUGA SEM FIM

 

Sinopse

Em "Minha Fuga Sem Fim", o ex-militante do italiano PAC (Proletários Armados pelo Comunismo) Cesare Battisti conta parte de sua trajetória política e sua vida na clandestinidade. Acusado por responsabilidades em quatro homicídios na Itália, ele foi preso no Brasil, onde os trâmites diplomáticos e legais a sua extradição ganharam destaque na mídia e causaram muita polêmica.
Na obra autobiográfica, ele relata parte do intenso período em que ocorreram alguns dos crimes de que foi acusado e reforça sua versão de que é inocente.
Título: Minha Fuga Sem Fim
Subtítulo: Dos Anos de Chumbo na Itália, de Leis ao Revés na França, ao Inferno do Cárcere no Brasil


 FICHA TÉCNICA
 
Autor: Cesare Battisti
Tradução: Dorothée de Bruchard
Editora: Martins Martins Fontes
Edição: 1
Ano: 2007
Idioma: Português

LIVRO: AO PÉ DO MURO



Sinopse

Ao pé do muro, de Cesare Battisti, cesculpem "uma vida inteira e, mais que isso, os sonhos de várias vidas".onta a história de Augusto, foragido internacional que vem para o Brasil em busca de proteção. Mas a paz tão perseguida, que poderia se delinear nas ladeiras e praias do Rio de Janeiro, no sol escaldante e na cerveja gelada, vem acompanhada de um sentimento de inquietação constante - afinal, muitos olhos estão voltados para ele. Muitos são os que estão em seu encalço. As belezas e tristezas de um país tão intenso e colorido, emotivo e sofrido, são filtradas pelo olhar do protagonista, que observa o novo mundo tanto do lado de dentro quanto de fora dos muros da prisão. Suas reminiscências se mesclam aos relatos de outros detentos, que, juntos, "olham para sua porta com tamanha insistência e minúcia que, na superfície de metal liso", esculpem "uma vida inteira e, mais que isso, os sonhos de várias vidas".

Descrição do produto e ficha técnica

Título: Ao Pé do Muro
Autor: Cesare Battisti
Editora: Martins Martins Fontes
Edição: 1
Ano: 2012
Idioma: Português
Especificações: Brochura | 304 páginas
ISBN: 978-85-8063-047-3
Peso: 350g
Dimensões: 207mm x 140mm

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