segunda-feira, 16 de maio de 2016

papagaio não é besta

No que você está pensando?


É a pergunta insipida do face. Como se todo mundo não tivesse mais preocupações além de ter perdido de vista o papagaio da Globo, esse de plástico parecido à velhinha com quem ele conversa.
Tudo bem. Isso faz parte do jogo.
Mas, acredito que deve ter pessoas com outras cabeça, estou falando daqueles que não param de pensar no dia próximo onde ninguém poderá mais impedir a cada ser humano de tomar consciência para gritar que ha chegado enfim a hora de dizer BASTA:
 "NÓS, NADA MAIS QUE NÓS TEMOS A PALAVRA FINAL SOBRE O QUE O ṔOVO PRECISA PARA VIVER.NAO VEGETAR NO CONSUMISMO. 
E os papagaios deveriam ficar no mato onde se criaram em vez de dizer besteira na televisão.

Andar pelo além.


Andar é
contra o soprar do vento
passos seguros, ideias curvas
receptivas.
Afastando nuvens
abrindo, céus.
Caminhos claros
assoleados
frente à vida.
Atrás pontes
queimadas.
Andar oblíquo,
Transversalidade
eterno retorno.
Mesmos caminhos?
murmuram todos eles sem parar, mas
Escuta esse,
não está falando algo diferente?

(anonimo conhecido)

"Brasilhoje". Visto por um poeta do centro cultural Garrincha


DE CANJICAS A COXINHAS
Em O Alienista, além dos limites entre razão e loucura, Machado de Assis ironiza a política na sociedade de seu tempo como simples soma de interesses dos particulares. Por isso, quando surge o menor dos embates seus partícipes preferem a resignação, como fez o líder barbeiro ao sair da cena pública e deixar o movimento das Canjicas sem a sua cabeça.
Uma obra tem valor universal ao atravessar as eras e dialogar com as gerações futuras. Mas, para recordar a indagação do crítico Antônio Cândido, o que O Alienista de Machado teria para nos dizer nos dias de hoje? Quem são as Canjicas de nosso tempo?
UMA COXINHA EM DOIS ATOS
Ato I– comédia de como as coxinhas foram às ruas
Garota, eu vou pra Califórnia...”, cantarolava ao sair do banheiro.
Tomou um café reforçado e lá se foi, todo brasuca da silva. Da silva não porque era Smith desde pequenino.
... o meu destino é ser star”, cantarolou uma vez mais pouco antes de se juntar a multidão. Ele tava que tava:
Bumbum redondinho como a base de uma coxinha. Vuvuzela amarela na mão esquerda, vez ou outra assoprada em saudação àquela gente bonita. Bandeira da pátria amarrada ao pescoço e caída sobre as costas – um Clark Kent dos trópicos. E nem mesmo esqueceu-se da cartola: uma réplica da do Tio Sam com gomos intercalados em verde e amarelo. Porém, agora a canção já era outra:
Sou brasileiro, com muito orgulho...”, engrossou o coro, todo senhor de si.
Dessa vez jornalistinha algum iria pegá-lo desprevenido, dizia com seus botões: o lábaro, a flâmula e o impávido estavam na ponta da língua. Um papelzinho no bolso era sua retaguarda. Brasileiro por tinta e papel.
Não era de confusão. Nem de se meter em política. Na verdade, detestava política. Porém, a coisa agora era diferente. Via que não estava só. Que havia muitos iguais a ele, ainda que não entendesse que no mesmo ato uns gritassem contra o Estado e outros clamassem por um Estado forte. O importante é que ali eram todos iguais: uma gente feita de carne, osso e botox. Gente pacata, ordeira e com impostos em dia. Gente que não levava desaforo nem DVD pirata para casa. Gente que se rebelaria um dia. E esse dia havia chegado. Saga registrada para ser contada às futuras gerações:
- um dia seu pai foi um rebelde, meu filho! – devaneou por segundos com filho imaginário ao colo e sorriso congelado por mais uma selfie.

Ato II - tragédia – do conflito entre coxinhas
Hoje o dia prometia. Momento de resistência. Não teve dúvida. Os anos de escritório davam-lhe garantia. Estufou o peito, dirigiu-se ao patrão e pediu uns dias das férias vencidas. Queria se somar aos revoltosos que bloqueavam a Avenida Paulista, justificou. Pedido aceito.
Rumo à Paulista lembrou-se das gafes na última manifestação. Gafes que não poderia mais cometer. Mas como ia saber? No movimento as coisas são dinâmicas. Tudo pode mudar a qualquer momento. Senão, vejamos.
Numa manifestação o grito era: Somos milhões de cunhas! Na outra, feriado prolongado, viajou e perdeu o protesto. Na terceira, tentou puxar o coro do somos todos cunhas e quase foi linchado. Depois descobriu que o nobre deputado já não era tão nobre assim. Coisas da política.
Agora, ali, junto aos seus, o clima estava tenso. Havia ordens para retirá-los.
- Resistir! Resistir! Bradava os mais eufóricos. Gritos que logo se tornariam seus.
Não acreditava que seu governador desse ordens contra quem enfrentava o governo federal nas ruas. Eles, os verdadeiros paulistas. Eles, os não vagabundos.
- E a polícia? Indagava a si mesmo.
-“Policial é meu amigo. Mexeu com ele, mexeu comigo”. Ainda retinha fresco na memória o grito de guerra e as selfies tiradas junto a policiais nas manifestações anteriores. Será que eles teriam coragem? Não. Eles são do bem, concluía em pensamento. E pensava outras coisas mais: de como entrou no movimento. De como teve que jogar fora as camisas (e mesmo sua cueca preferida) apenas por serem vermelhas. Minha bandeira nunca será vermelha! Passaria a reproduzir o brado em pouco tempo.
Por vezes sentia saudades do passado. Coisa estranha. Ainda que fosse um passado recente, intuía que não haveria volta no tempo. Tempo em que viajava aos States. Ah, Estados Unidos da América – balbuciava num sonho acordado.
Terra da liberdade. Terra da Disney. Terra de verdadeiros shoppings e varejo de coisas boas a encher sacolas para depois esvaziá-las no retorno à pátria. Incremento financeiro reduzido a nada com o incentivo ao crédito e surgimento da tal emergente classe C. Ela evaporou-se, é verdade, mas não sem antes abarrotar os aeroportos do país para ir inflar os produtos americanos. Gente demais. Produtos de menos. Preços lá em cima.
Maldito sapo barbudo! Eis o seu ódio. Ódio que pulou da divagação para a realidade, tornando tragicômico o desfecho do ato.
O susto foi grande e o devaneio interrompido. Tempo não houve para muita coisa.
- Que absurdo! Onde estaria o respeito, o patriotismo? Berrou em direção aos policiais. Logo ele que protestava contra os corruptos da Lava jato receber um jato d’água no ouvido! Isso não ficaria assim! E passou a gritar: Fora petistas! Fora petistas! Fora petistas!
E numa outra versão: Petistas de fardas! Petistas de fardas! Petistas de fardas!
Nada adiantou. Novamente foi encharcado. Apavorado, ainda pediu ajuda: Socorro, FIESP! FIESP, socorro! FIESP socorro! Socorro FIES...
Não houve socorro. Sequer um pato respondeu quenquém. Houve, sim, mais um jato d’água, forte e concentrado que o pegaria em cheio. Cheia estava sua cabeça enquanto ele rolava pelo chão. Nela tudo ia se misturando: situação e oposição; lava jato e jato d’água; sim e não; impeachment e minha família; super herói da justiça e super herói dos quadrinhos, STF e FDP; japonês da federal e japonês virtual. Tudo, tudo conformando uma só pasta que ele já não sabia distinguir muito bem.
Como teria saído daquela enrascada ele não sabia ao certo. O resfriado o deixou acamado por dias. Por sorte não foi H1N1. Viu pela TV imagens da Avenida Paulista com uma dezena de barracas vazias. Vazia estava a sua mente. Ele nunca mais quis enchê-la com coisas de uma juventude outrora rebelde. Amanhã é dia de batente, pensou, virou pro lado e dormiu.
10/05/2016,
Carone.